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Certas coisas sobre você

 A primeira vez que conheci Zack Colleman, eu estava com a minha regata branca toda molhada de cerveja na saída de um show. Ele gentilmente, tirou a camisa e me ofereceu, como uma boa e doce alma caridosa que queria ajudar uma garota com a camiseta toda transparente no meio da rua.

 Zack, por acaso, é o Capitão do time de Polo Aquático e bem possivelmente, o cara mais gato, com o peitoral mais sexy e entalhado a mão que meus olhos já viram. Durante um sorteio para o papel do casal principal da peça Shakespeariana que encerraria nosso último ano escolar senior, Zack e eu fomos sorteados e para minha maior surpresa, durante o primeiro ensaio, o que era para ser algo bem despretensioso e inocente, atingiu um nível alarmante que eu jamais imaginaria chegar com o misterioso Colleman. Ele improvisou uma cena de beijo que pegou nós dois – e o resto da escola – de surpresa, devido a química explosiva que ricocheteou em todo palco.

Eu sabia que me envolver com ele era uma péssima ideia. Eu namorava Felipe, na verdade eu era mais uma namorada de mentirinha, mas ainda assim, para todos na nossa família e na escola, Felipe e eu eramos o casal modelo. Mas a energia que emanava de Zack, a cada ensaio, a cada esbarrada no corredor, era intensa, eletrizante. Algo que há muito tempo eu não sentia, sem contar que Zack era divertido, seguro, sorridente e se tornou um “amigo” muito, muito presente.

Apenas...se não fosse pelo que minha mãe sempre dizia, desconfie de tudo que é devastadoramente perfeito e lindo. Se tiver um sorriso com covinhas perfeitas, desconfie mais ainda. Eu mesma tinha alguns segredos, que pessoa no mundo não tem? Mas o que descobri naquele verão, mudaria para sempre o rumo da minha vida.

Conhecer Zack Colleman foi como ser engolida por uma onda de 20 metros, eu não sabia onde aquilo me levaria e era certo que eu sairia machucada, mas eu certamente nunca achei que fosse me viciar na sensação.

Tudo o que vivi naquele último ano, na nossa pequena e pacata cidade, seria impossível de esquecer e era apenas a ponta do iceberg.

Certas coisas sobre você: Trabalhos
Coming Out Romance Story eBook Cover (1)
Certas coisas sobre você: Imagem

PRÓLOGO

Certas coisas sobre você: Texto

O barulho havia cessado. 
Eu estava morrendo. 
No chão frio. Sentindo uma dor que me fazia delirar, ou pelo menos eu achava que estava delirando, pois, quem em sã consciência, prestes a morrer, não pensaria em se salvar? 
Uma pessoa não devia pensar em coisas tão banais como o fato de ter chegado ao final da vida e não ter realizado coisas idiotas como entrar para uma Universidade, realizar todas as experiências de morar num campus e, no final, dividir um flat com sua melhor amiga em Nova Iorque. Assoviar para um táxi amarelo, com um bagel de alho dentro de uma bolsinha de papel pardo e um copo com tampinha de café fumegante com creme duplo dentro, a caminho do trabalho. Tomar drinks coloridos com a melhor amiga nos happy hours depois do serviço e visitar a mãe aos finais de semana. 
Eu não precisava estar à beira da morte para delirar com isso. Esse era meu sonho desde que vi os arranha-céus de Nova Iorque em uma foto no jornal, quando era criança. Eu sabia a vida que queria ter, planejei tudo nos mínimos detalhes. 
Mas nada daquilo se realizaria: eu era pobre. Falida. Sério, pobre de verdade. 
Éramos só eu e Rose, desbravando o mundo. Não que isso fosse ruim, mamãe e eu somos heroínas e parceiras de crime. O homem que engravidou Rose foi embora quando eu ainda não passava de um feto, e eu nunca o conheci, muito menos tive vontade de fazê-lo. 
Não tínhamos muito, mas toda a economia da herança da minha família foi investida em quadros. Sim, exatamente isso que você leu, em quadros. Mamãe pintava quadros. E ela investiu todo o nosso dinheiro contratando especialistas, organizadores de eventos, um negócio de catering — desses que servem uns canapés ruins de ovas de peixe e champanhe em pequenas taças de cristal... Até uma cerimonialista e um agente ela arranjou. Esse último prometeu mundos e fundos para nós. A esperança era grande e todo o investimento voltaria com um lucro exorbitante, o sujeito dizia. 
Era o que todos eles diziam. 
A promessa era linda.
Porém, uma semana antes da exposição que nos traria toda aquela glória, o galpão onde mamãe colocou as obras pegou fogo e tudo virou cinzas. 
Perdemos tudo. 
Não havia mais o que mostrar. Mamãe teve que pagar as parcelas dos contratos que assinou com os fornecedores e meu maior pesadelo começou. Rose entrou em depressão, não trabalhava, tomava remédios para dormir e viver se tornou irrelevante para ela. Para piorar, minha mãe encontrou a melhor saída para fora daquela miséria no álcool, o que não a fez sair de coisa alguma, só a afundou mais na lama da autocomiseração. 
Não havia dinheiro, e todos os meus sonhos foram voando para longe junto com as cinzas que restaram do incêndio. Com o tempo, me convenci de que ficar presa em Kingston não era uma ideia tão ruim. Eu tinha um emprego. Era garçonete do Café Joe’s, ainda tinha Rose e nós ficaríamos bem. Eu tinha outro plano, e pelo menos esse não tinha como dar errado. 
Era o que eu pensava. 
Até conhecer Jess; a garota mais linda do colégio e a única amiga que já tive. Me obriguei a me acostumar com a ideia de que Jess deixaria Kingston um dia e iria viver tudo aquilo que eu sempre sonhei um dia. E, quando finalmente consegui achar equilíbrio mental o bastante para me manter sã com esse fato, me apaixonei pelo cara mais perturbadoramente gato e popular da escola. Virei um clichê ambulante e, quanto mais o tempo avançava, mais irritante era a ideia de gostar tanto de alguém, só para inevitavelmente ver esse alguém partir. Eu sabia que o fim estava chegando. Eles iriam embora e eu ficaria para trás. 
Mas a vida tinha mais uma surpresa para mim. 
Acabei sendo sequestrada. 
Depois daquilo, ninguém nunca mais me veria e eu morreria sozinha — como me forcei a aceitar que ficaria, assim como me forcei a não criar expectativas do contrário.
Irônico, não?


 O gosto metálico do sangue chega até minha garganta. Lentamente, levo a ponta do dedo indicador aos lábios e sinto a ardência. Procuro com a língua e gemo baixinho, apertando os olhos, quando acho o corte. Sinto umidade debaixo da minha bochecha, que está colada ao chão. Desnorteada, me lembro de cogitar que é impossível que todo esse líquido viscoso venha de um corte nos lábios ou seja minha saliva. 
Tento levantar um pouco a cabeça e me apoio com a palma das mãos no chão, sustentando metade do meu peso nos braços, e encaro a poça embaixo do meu rosto. 
É sangue. 
Pegajoso, escarlate e ainda morno. E é meu.
Conforme vou recuperando a noção e a percepção de onde estou, minha visão começa a ficar turva e vários pontinhos brilhantes giram diante dos meus olhos, como minúsculas estrelas explodindo. Eu iria desmaiar. Pisco, tentando recuperar a visão, mas é inútil. Era como tentar limpar vidro embaçado com tinta neon. 
Se eu deitar um pouquinho, talvez passe, penso comigo. A sensação é nauseante. Um gosto ácido vem subindo pela minha língua e sinto que é hora ou de descansar a cabeça, ou de perder a consciência. Relaxo o peso dos braços e bato a ponta do nariz e a boca no chão. 
O corte certamente se abriu mais com o impacto, depois disso. Foi idiota demais, largar o corpo assim, mas eu não contava com a fraqueza sobrepujante em meus membros, então relevei a burrice. Não há mais força alguma no meu corpo, percebo. 
Tento me virar e é aí que sinto minha perna e meu quadril. Eu já devia estar em um outro nível de dor, porque levo um tempo até percebê-la. Uma onda de agonia excruciante corre pelo meu corpo, invadindo e nublando meu senso de raciocínio. Sim, agora estou totalmente ciente dela. Algum ponto em minha perna parece estar em carne viva, pulsando e me fazendo ter pequenos espasmos com a tortura. Eu trinco os dentes com a ardência e pouco a pouco o frio vai se espalhando por toda minha extensão. 
Onde estou? 
Olho para o lado e vejo as pernas de madeira de uma cama; aparentemente, estou deitada no chão de algum quarto velho. A cama parece ser tão gigante, agora, vista do chão. Acima de mim, cortinas amareladas, e além delas, o céu preto. E só agora percebo que não sei que horas são ou em que momento cheguei aqui. Há quanto tempo eu havia desaparecido? Quantos dias se passaram? Alguém sequer viria me tirar daqui? 
Eu morri e acordei no purgatório do inferno: era tudo em que conseguia pensar. Minha cabeça iria explodir a qualquer momento. O cheiro de mofo do quarto não está ajudando em nada com o enjoo, e eu ainda piscava como uma míope, tentando enxergar melhor. Tentando pensar, mas até isso parece gastar esforço demais. Consigo sentir o suor se acumulando na minha testa e acima dos lábios. 
Faço uma tentativa de me virar outra vez, mas não consigo me mexer. Meu corpo está paralisado, estático, e a angústia daquela situação estava lentamente me enlouquecendo. Meu quadril, alguma… alguma coisa aconteceu com meu quadril. Ameaço levantar a cabeça, mas minha vista fica ainda mais turva e é como se eu estivesse afundando, de pé em um rio gelado, bem aos pouquinhos. 
Estou morrendo.
Com o pouco de consciência que me resta, lembro que não consegui libertar minha mãe da depressão. Não fui dividir aquele apartamento em Nova Iorque com Jess. Não entrei para faculdade de Belas Artes. Não disse ao Joe que ele era como um pai para mim. Não fiz a ilustração do cartoon que salvei no Pinterest. Não me despedi de ninguém e com certeza esqueci a cafeteira ligada. A essa hora, a jarra estaria despedaçada no balcão e Deus, eu poderia matar por um simples copo de água nesse momento. Também não sei se é normal pensar em tudo isso quando se está morrendo.
Eu tinha total noção da merda na qual tinha me metido. Eu sabia que poderia pagar com minha vida. Mas tudo o que eu fiz foi por querer desesperadamente salvar alguém que eu amo. Então, do meu ponto de vista moribundo e sem muita escolha, morrer agora seria uma rendição corajosa. 
Se vou morrer, que seja com essas palavras em mente. 
Os minutos se passam e, pouco a pouco, até minha própria lucidez parece um eco distorcido. O chão treme, e começo a ver os móveis flutuando pelo ar. Pisco outra vez. Ouço o ranger da porta e forço minha cabeça na direção do som de passos. Não consigo enxergar nada com clareza, apenas uma visão imprecisa de botas escuras. Meu maxilar está retesado, meu corpo geme de frio, implorando por qualquer fonte de calor. Seja lá o que esteja ali, eu quero me agarrar àquilo sugar seu calor e me aconchegar, dormir no quentinho como um filhotinho. Sei que estou delirando. É o começo do fim.
Eu preciso dizer minhas últimas palavras. Preciso pelo menos dizer ao vento o quanto eu amava Rose e era grata por tudo, e o quanto eu sentia muito pelo que acontecera. Sinto a lágrima cálida escorrer vagarosamente pelo canto do meu olho, molhando minha orelha. Abro a boca, mas sou interrompida pelo impacto dos meus ossos sendo esmagados, do ar em meus pulmões sendo esvaído de mim no momento em que meu corpo começava a levitar do chão.
Eu estava morta.

Certas coisas sobre você: Texto
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